sábado

Fluidos e presentes

Fim de novembro, chegando a festa de amigo secreto, que em 2008 seria na casa de Tuca, a chefe de repartição de um grande laboratório de análises clínicas. Os funcionários se preparando há semanas para a brincadeira, depositando em uma caixa de papelão ao lado do bebedouro bilhetes com piadas e provocações, na tentativa de averiguar a melhor forma de presentear o colega.

A miserável tarefa de Euclides, analista de catarro, era comprar alguma coisa para a chefe. Uma hippie fora de época, muito bem-remunerada, que portanto deveria possuir todo tipo de porcarias que em geral são propriedade de uma paulistana-falsa-remanescente-de-Woodstock: brincos feitos de bambu, tigelas pra secar salada ou maconha produzidas artesanalmente por ribeirinhos de Camburi, CDs de bandas de maracatu eletroacústico ou camisetinhas feitas de sacos pardos de arroz.

Bioquímica especializada em fitoterapia e física quântica, Tuca era difícil no trato no trabalho, apesar dos discos de música que exalta a compreensão humana e livros que pregam a amizade e a bem-querência. Gritalhona, destratava os subordinados ao mínimo desagrado.

Corria entre o pessoal do setor informação pesquisada no Google de que o excesso de ácido lisérgico havia prejudicado especialmente duas estruturas do cérebro da patroa: o putâmen, que exerce controle sobre os movimentos, e o corpo caloso, que possui forte influência sobre bom-humor, educação e bem-estar.

"Fudeu, vou comprar um presente errado e acabar no olho da rua", pensou Euclides. Depositou 17 recados na caixa de papelão, mas Tuca não respondeu nenhum. Embora estimulasse a brincadeira - que era uma diretriz da direção do laboratório -, e organizasse o desfecho em sua casa, não queria intimidade com ninguém por ali.

O pobre diabo arrastou para um canto Luciele, a responsável pelos espermogramas, e implorou pra moça trocar de amigo. Já que era mulher, acharia alguma coisa que servisse, argumentou.

"Nem que a vaca tussa", respondeu a colega. "Faz assim: toma coragem, chama ela pra almoçar naquele restaurante de comida macrobiótica e explica a situação", sugeriu.

Euclides não comprou merda nenhuma e faltou na festa de amigo secreto.

Um comentário:

Anônimo disse...

o euclides está no olho da rua a essa altura.